27/02/2015

Que tal desapadrinhar o mundo culinário?



Concursos culinários são coisas legais. Eles podem “revelar” talentos, podem destacar a tradição ou a inovação. Difícil fazer tudo ao mesmo tempo numa só categoria. Por isso é bem confusionista o chamado do Governo do Estado para o Festival Sabor de SP.

Ele anuncia que as inscrições para a iniciativa, promovida junto com a revista Prazeres da Mesa, já podem ser feitas e que o propósito é revelar “talentos da culinária paulista, destacando a tradição, o preparo e os elementos típicos de cada região. Para se cadastrar, o participante deve ser criativo na receita, utilizar ingredientes locais e possuir CNPJ para comercialização do produto”.

As palavras “talento”, “tradição”, “criativo nas receitas”, “ingredientes locais” e, de novo, “CNPJ e talento” encerram tensões que o chamado público não esclarece. Afinal de contas é para ser “criativo” ou “tradicional”? São coisas diferentes, me parece. As receitas não precisam ser ligadas à tradição? Só os ingredientes? Mas o que são “ingredientes locais”? Feijão é ingrediente local, sendo também amplamente nacional? Macarrão é local? A senhorinha que cozinha muito bem, é respeitadora da tradição, admirada por todos, que a gente gostaria que fosse nossa tiazinha, mas que não tem CNPJ, não pode participar? Injusto de saída.

Há um propósito turístico em tudo. Compreende-se. É governo. Por isso se fala em “representantes de cidades” e “macroregiões” apadrinhadas... Os municípios se farão representar por receitas. Os prefeitos é que vão degustar e definir?

Os pratos devem ter valor turístico e histórico. Fico pensando nas cidades como Bauru, que dizimaram os índios na primeira década do século XX (valor histórico), se podem apresentar algo relacionado à cultura indígena (histórica) com valor....turístico. Acho que não pega bem... Por isso não sei porque cozinheiros devam participar da construção de uma imagem idílica de nossa história, quando o propósito é descobrir “talentos” culinários etc.

E acho muito feio esse negócio de “madrinha” e “padrinho” numa sociedade moderna e democrática, serem responsáveis pelo julgamento dos “10 pratos mais relevantes e icônicos das macrorregiões”.  Se protestamos nas ruas contra apadrinhamentos políticos, por que vamos incentivar os apadrinhamentos culinários? Chega disso! Ainda mais se o evento quer se apresentar como um “concurso” democrático. É da essência da democracia ser anti-apadrinhamentos, buscar a impessoalidade dos julgamentos.

Tá na hora de acertar o passo com o tempo.

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