02/12/2016

Sobre fronteiras culinárias e políticas



Os estudantes de culinária se perdem diante de tamanha diversidade de cozinhas e, às vezes, desanimam. Cozinhas nacionais, claro. Mexico, Colombia, Bolívia, Peru, Paraguai, Venezuela, Argentina, Chile… Uma vida parece pouca para tanta comida! Na verdade, o espirito é bolivariano e a política uma Babel. 

E se olham o Brasil, então? Nordeste, Centro-Oeste, Paraná, Sergipe, Paraíba, Pará, Belém, Uarini, Missões, Pampa, e sei lá quantas fatias mais desse imenso Brasil. E pesquisar os pratos típicos; e, agora, essa moda de “ingredientes” e seus biomas. Parece um universo mais amplo e incompreensível do que os mais de 400 molhos franceses! 

Como diriam os espanhóis, entrou-se por un callejón sin salida! E ainda aquela quase-obrigação-moral de defender o patrimônio “nosso” contra a invasão do fast food… Mas, será que é assim mesmo? 

Uma noção silenciosa de identidade política separa as cozinhas antes de tudo. “Cozinhas nacionais” correspondem a um ideário nacionalista do século XIX que muito pouco tem a ver com a culinária. Tome-se as cozinhas latino-americanas como exemplo. 

Todas estão unificadas por uma serie de ingredientes e procedimentos culinários, como mostra a culinária do milho, do México à Patagônia. Que várias nações tenham separado parcelas desse mesmo território culinário não quer dizer que o que é comum não persistiu mantendo certa unidade objetiva. Claro que as variações locais são importantes, mas elas não são o caminho de entrada nessa imensa floresta homogênea. 

O milho também avança por um bom pedaço de Brasil, unido-nos de certa maneira aos demais povos latino-americanos, talvez de modo mais próximo do que ao Brasil costeiro da mandioca. Portanto, as divisões culinárias são de outra natureza.


Unificar o Brasil em torno da mandioca, assim como dividi-lo em Nordeste, Centro-Oeste, Sul, Sudeste e, dentro de cada divisão dessas, entre estados, é “forçar a barra” mais ainda. É assumir que o regionalismo politico da primeira metade do século XX deixou marcas no prato, o que sabemos que não ocorreu.Então quer dizer que as divisões na culinária são de outra ordem?

Há o Brasil do milho e o da mandioca; aquele da salsinha e do coentro; o Brasil do mate. No mais, na cozinha popular, come-se milho, feijão, abóbora, cará, batata doce, e assim por diante em todos os recantos. Então quer dizer que as divisões efetivas obedecem a fatores distintos das razões políticas e talvez sobre elas saibamos muito pouco. 

Às vezes há autodenominações importantes, que “separam” a identidade de certas sub-regiões, como o caso do uso do pequi, do mate, ou mesmo coisas limitadas a algumas cidades. Elas são efetivas para os seus moradores e, ao longo do tempo, constituem mesmo “divisões” que é preciso levar em conta. São mais sutis portanto que a grosseira tipificação de cozinhas dos estados brasileiros. 

Sem um inventario exaustivo e esforços de classificação que territorializem as praticas culinárias continuaremos a nos perder na floresta ao observar árvores particulares.




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